Impossível deixar de fazer um paralelo entre as primeiras décadas do século
20 e o início deste século 21 no que se refere às drogas ditas “sociais”. Quem
tem mais de 50 anos deve se lembrar de como as mídias bombardeavam a população
com publicidade de cigarro. O cinema, outdoors e revistas estampavam os artistas
soltando fumaça
sexy, os machões musculosos com ares enigmáticos, os
esportistas, os
cowboys e as divas sempre acompanhadas dos pequenos
cilindros brancos entre os dedos ou elegantes e longas piteiras. Entre eles,
Marlene Dietrich, Clark Gable, Marilyn Monroe e dezenas de outros famosos que
provocavam suspiros na população. Não existia produção de filme sem fumaça de
cigarro ou charuto (
ver
aqui).
Na época, a mensagem era de que quem não fumava estava “por fora”. Bonito era
aparecer nas fotos posando com um cigarro nas mãos. Entre os dedos, ele
tornou-se símbolo de independência, aventura, prazer, sucesso e de aceitação
social. E, por incrível que pareça, o fumo era associado à imagem do esportista.
O marketing de cigarro atingia “em cheio” jovens que tentavam copiar seus ídolos
e, em sua insegurança típica da idade, logo abraçavam a ideia e começavam a
fumar. Para a indústria do fumo, quanto mais cedo começassem, melhor. Mais tempo
de vida consumindo o tabaco.
O Estado arrecadava bilhões em impostos, a indústria tabageira gastava
fortunas com publicidade, empregava muitas pessoas nas fábricas, e isto, aliado
ao apelo de que o campo também dependia, em algumas regiões, do fumo, bastava
para calar as vozes de quem exigia a divulgação das estatísticas e estudos sobre
as mortes causadas pelo cigarro. Os dados eram guardados em segredo.
Cerveja a rodo
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o cigarro matou mais do que a
soma de todas as guerras. A OMS afirma que, apenas no século 20, mais de 100
milhões de vidas foram ceifadas em virtude do vício (
ver
aqui).
Já o
Atlas do Tabaco, da Sociedade Americana do Câncer e da Fundação
Mundial do Pulmão, informou, durante a 15ª Conferência Mundial Tabaco ou Saúde,
em Cingapura, que, apenas durante o ano de 2010, morreram 6 milhões de pessoas
em virtude do tabagismo (
ver
aqui). O estudo apontou, também, que cerca de 80% dessas mortes aconteceram
em países não desenvolvidos.
Hoje, presenciamos a leniência do governo brasileiro com outra droga – o
álcool. A indústria da cerveja, bebida que praticamente faz a iniciação ao
consumo do álcool, apontou um crescimento de 12% no ano passado, e o maior
percentual foi detectado nas regiões Norte e Nordeste do país (
ver
aqui). As inúmeras publicidades da bebida atingem exatamente essa população
que, ascendendo economicamente, se espelha em uma sociedade consumista, na qual
beber é
in. A mensagem subliminar é de que só se pode divertir e ser
alegre com bebida, com álcool – beber é “massa”. A população, mais uma vez,
atende aos apelos publicitários e se autodestrói (
ver
aqui).
As mensagens veiculadas nas diversas mídias contemporâneas atuam como no
século passado. Só que hoje todo lar tem um aparelho receptor de imagens e somos
assediados até dentro de nossas casas. São muitas as publicidades de cerveja –
inclusive imagens subliminares da bebida. Durante a novela
Avenida
Brasil, dezenas de vezes, os protagonistas abriram uma garrafinha de
cerveja, com toda naturalidade, como se isso fosse parte do dia a dia de pessoas
ricas. Sem esquecer os jogadores de futebol do time “Divino”, dessa mesma
novela, que faziam as comemorações do time sempre regadas a cerveja.
Dependência irreversível
A novela que sucede no mesmo horário,
Salve Jorge, também conta com
imagens que incutem no telespectador como é fino, elegante o ato de ingerir uma
bebida alcoólica. Até mesmo em excesso, com cenas em que protagonistas se
embebedam. Esse tipo de publicidade, inserida em um contexto no qual a maior
parte dos que assistem ao programa e recebem a mensagem nem percebem ser
publicitária, é muito perigosa e deveria ser proibida. Isso já acontece, por
exemplo, na Europa, onde diversos países, já nos anos 1990, proibiram a
veiculação da publicidade de bebidas com teor alcoólico e cigarro.
As
mulheres, seja em virtude do estresse e da sobrecarga de trabalho, seja na
luta constante pela autoafirmação, competindo com os homens, estão cada vez
mais, somadas aos mais jovens, engrossando as estatísticas do consumo de bebidas
alcoólicas (
ver
aqui). Todos esses fatos remetem ao século 20 e ao direcionamento da
população para o consumo do fumo.
Só que, naquela época, quando começaram a divulgar o enorme número de doenças
e a consequente mortandade provocada pelo tabagismo, a desculpa era a falta de
informação e a afirmação de que as pesquisas sobre as doenças em decorrência do
fumo eram guardadas a “sete chaves”. Contudo, atualmente, governo e população
têm amplo acesso aos males pessoais e sociais provocados pelo alcoolismo (
ver aqui). Não tem
desculpa.
O álcool não apenas mata os que bebem. Causa uma dependência crônica,
irreversível. O cidadão deixar de ser produtivo. O álcool causa acidentes,
demência, mata, destrói famílias (
ver
aqui). A maioria das pessoas não sabe que basta a ingestão periódica de
certa quantidade de álcool para, aos poucos, crescer gradativamente a quantidade
e a consequente dependência do indivíduo, tornando-o alcoólatra. No Brasil, o
percentual de pessoas adultas que bebe álcool em excesso já superou 18% em 2010
(
ver
aqui).
O governo na parede
Mais assustador ainda foi o resultado da pesquisa divulgada pelo Centro
Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), apontando que, já
em 2005, 12,3% da população brasileira entre 12 e 65 anos eram dependentes de
álcool. Significa nada menos que 5.799.005 pessoas alcoólatras já naquele ano no
Brasil (
ver
aqui).
Muitos países lutam para controlar os problemas com o alcoolismo (
ver
aqui) e bebidas com teor de álcool são taxadas com altos impostos visando
controle do consumo através do preço. Todas as nações onde existe um grande
consumo de álcool
per capita tratam o assunto como um grave problema
social e econômico (
ver
aqui).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu e declarou, já nos anos 1950,
o alcoolismo como doença. Nos últimos anos, essa organização acendeu o sinal
amarelo para o Brasil, advertindo sobre o aumento do consumo de álcool dos
brasileiros (
ver
aqui).
Passou despercebido pela população brasileira que as bebidas “frias”, de modo
geral, teriam a alíquota de impostos majorados, mas, pasmem, a indústria
cervejeira botou o governo na parede: se aumentar o imposto não vamos investir
mais no Brasil. O governo cedeu (
ver
aqui). Fez um acordo e o aumento ficou para abril de 2013, parcelado em seis
vezes. Uma “ajudinha” do governo federal à coitadinha da indústria cervejeira
que emprega tanto e recolhe milhões em impostos (
ver aqui).
Terreno para se expandir
A publicidade de bebidas vai continuar alimentando a mídia e angariando mais
e mais consumidores. A Skol está lançando uma novidade: cerveja congelada, tipo
sorvete. Assim, a história se repete – são os mesmos argumentos utilizados no
século passado (
ver
aqui).
A
Ambev (Companhia de Bebidas
das Américas), que oferece dezenas de rótulos de cerveja como a Skol, Bohemia,
entre outras, e que englobou a Antarctica e a Brahma, além de ser associada à
cervejaria belga Interbrew, passou a ser a maior firma nacional em 21 de
novembro, superando a Petrobras (
ver
aqui).
O governo continua privilegiando os interesses econômicos. A mídia não pauta
a problemática como deveria por motivos óbvios. Se a mídia não divulga, a
população não toma conhecimento.
Assim, da mesma maneira como ocorreu com o tabagismo no século 20, o
alcoolismo vai encontrando terreno propício para se expandir no Brasil, em pleno
século 21.
Por Magda Kaufmann
Publicado no Observatório da Imprensa em em 15/01/2013 na edição 729